As grandes lições da vida não se aprendem nos livros. É nele que penso sempre que esta ideia me surge na cabeça. Encontrava-o nas tardes demoradas de nada para fazer, no mesmo banco envelhecido à beira rio, recolhido pela sombra do cúmplice salgueiro. Até hoje não sei o seu nome, sei apenas que surgiu no acaso e o mesmo acaso o levou. De nós, ficaram as conversas, recordações de palavras refrescantes em tardes de Verão quente, e os silêncios, porque mesmo que ele nunca tenha dito, sei que a sua alma era silenciosa e que por isso gostava daquele lugar tanto quanto eu. No dia em que procurei saber se tinha família, ou algo parecido com um lar, disse-me que enquanto os seus pés tivessem um chão e sob a sua cabeça existisse um céu, a sua casa era o mundo inteiro. Que família eram as árvores que o acolhiam nos dias tórridos, e o abrigavam das tempestades. Os pássaros que embalavam as suas sestas com melodias suaves. Os cães largados pelas ruas esperando que um olhar se cruze com o seu [abandonados à própria sorte como ele] - isso eu pensei para mim. As pessoas que zanzavam pelas ruas da cidade. Confessou-me, certo dia, que durante um vasto período de tempo se julgara um zé-ninguém, velho e solitário. Eu aprendi a vê-lo além das roupas sujas e gastas, da barba por fazer e das unhas sujas. Sempre que ele falava tudo desaparecia, e eu aprendia tanto. Depois de um certo tempo, passei a desconfiar que ele estudou ao lado dos engravatados que passavam por ele na rua virando a cara. Nunca perguntei. Não fazia diferença. O que ele me ensinou, valor da vida, importância dos gestos e palavras, respeito, amizade, admiração, companheirismo, liberdade... não se aprende em livros. Nunca saberei o seu nome, mas usando as suas próprias palavras, gosto de o lembrar como o zé-ninguém das ideias livres. Porque um homem pode ser acorrentado, aprisionado, desprezado, perder tudo. Mas ninguém lhe consegue roubar a liberdade da mente.